sexta-feira, 21 de maio de 2010

O BRINCAR ATRAVÉS DO TEMPO: UM PARADOXO ENTRE GERAÇÕES


O BRINCAR ATRAVÉS DO TEMPO: UM PARADOXO ENTRE GERAÇÕES

Sabe-se que o brincar é uma necessidade natural que ocupa um espaço significativo na vida de qualquer criança e se revela um instrumento essencial para o desenvolvimento integral da mesma. Contribui na construção da formação infantil, colocando a criança diante de suas habilidades intelectuais, emocionais, sociais e físicas. Sua importância e seus benefícios refletem-se diretamente em sua qualidade de vida.
O brincar é percebido, numa linguagem universal, como algo marcante e prazeroso, facilitador da liberdade de escolhas, através do qual a criança pode expressar-se livremente. Segundo Winnicott (1975) a brincadeira é universal, é própria da saúde, facilita o crescimento, conduz a relacionamentos e a liberdade de criação. O brincar se apresenta como uma forma de descobrir o mundo, organizar emoções, iniciar os primeiros relacionamentos, desenvolver capacidades como atenção, criatividade e imaginação, mantendo a criança ativa e participativa em seu meio social.
Entretanto, pesquisadores têm revelado que atualmente as crianças brincam pouco e que os pais não ajudam a mudar esse quadro. As brincadeiras se tornaram escassas na vida das crianças e isso pode comprometer o desenvolvimento infantil, pois a inteligência não é estimulada, valores não são ensinados, as crianças não são colocadas em contato com suas habilidades e dificuldades, a imaginação e a criatividade não são despertadas e nem há alívio de tensões. O brincar, desde muito cedo, é solitário, ou seja, as crianças se tornaram dependentes da televisão, vídeos e computadores. A interação da criança com outrem e a sua participação em seu meio social ficou prejudicada. O tempo livre delas agora é ocupado com cursos de línguas, balé, esportes, computação e uma série de atividades extracurriculares, que têm roubado o tempo de diversão das crianças.
Redin e Antunes (2005) apontam que a atividade lúdica é fundamental para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo da criança, pois é brincando com o mundo que ela aprende sobre ele e consegue desenvolver a imaginação, a criatividade, a atenção e a sociabilidade. Ao brincar, a criança lida com o faz-de-conta e com o simbólico. Observa-se que a maneira de lidar com esse faz-de-conta, no ato de brincar, vem sofrendo transformações com o passar do tempo, de acordo com cada geração.
Algumas das brincadeiras perpassam por gerações, como o brincar de boneca, de casinha, de escola e o jogo de bola. Porém, hoje essas brincadeiras receberam modificações devido ao avanço tecnológico, tornando-as sofisticadas e possuindo inúmeras opções de escolha. Na infância dos pais os brinquedos eram mais simples e estes, na maioria das vezes, eram montados pelas próprias crianças ou por seus familiares, aproveitando os recursos oferecidos pela natureza. Atualmente as crianças encontram os brinquedos já fabricados, a oferta e os estímulos são constantes, diversificados e atrativos, oferecendo às crianças um mundo mágico, de encantamento e sonhos. Entretanto, diferente de seus pais, elas não utilizam sua criatividade para fabricá-los. Eles já vêm “prontos”.
Existem também aquelas brincadeiras que permanecem inalteradas ao longo do tempo, conservando e reproduzindo uma cultura própria do cenário infantil como, por exemplo, as brincadeiras de correr, de pegar, pular corda, amarelinha e andar de bicicleta, entre outras. Também se encontram aquelas que são próprias de cada geração, que fazem referência à determinada época, sociedade e cultura. Na infância dos pais as brincadeiras ao ar livre eram muito comuns, eles subiam em árvores, brincavam no mato, pescavam, nadavam em rios, tinham brincadeiras específicas como o caçador, bola de gude etc. Nos dias atuais as crianças convivem num cenário diferente, pois permanecem por mais tempo dentro de suas casas, são privadas de um convívio mais direto com a natureza e com os seus pares devido ao crescimento desenfreado da cidade e aos perigos nela existentes. Como conseqüência dessa realidade e da disseminação acelerada dos avanços tecnológicos, as crianças acabam rodeadas de uma infinidade de aparelhos eletrônicos, entre eles televisão, videogame, playstation, dvd, computador e internet, tornando o brincar em algo artificial quando utilizado em demasia.
Fazem parte da infância atual e está na preferência das crianças os brinquedos que possuem todo um aparato tecnológico, que reproduzem a vida adulta e tudo o que dela faz parte em miniaturas, que estão disponíveis em vários modelos, formas e tamanhos. Mas se fazem presentes também os jogos tradicionais, os quais surgiram antigamente e continuam sendo praticados e aprendidos a cada nova geração.
Quanto ao local destinado ao brincar, pais e filhos concordam que atualmente as crianças o realizam em espaços cada vez mais restritos, como em suas próprias casas, na casa de parentes ou locais fechados, principalmente no que se refere às meninas. Os meninos, entretanto, também utilizam a rua para desenvolverem suas brincadeiras, reforçando questões ligadas e identificadas ao gênero. O fato de permanecerem em locais fechados ou sob a supervisão dos pais se deve aos perigos que a rua oferece e por ser mais movimentada em relação à época em que os pais eram crianças. Quando comparada com a infância dos pais, a diferença constatada se deve ao fato de que os locais utilizados pelos pais quando crianças em suas brincadeiras eram basicamente ao ar livre, em contato direto com seu ambiente natural. Eles não tinham restrições como as hoje encontradas na infância de seus filhos.
O tempo dedicado ao brincar das crianças vem acompanhado e precisa ser dividido com as atividades escolares e as obrigações com atividades do lar. A grande maioria dos pais acredita que seus filhos têm tempo suficiente para brincar e que esse tempo se torna maior aos finais de semana, quando os filhos não possuem essas obrigações. As crianças também concordam com esse dado, sendo que uma minoria delas diz não ser suficiente esse tempo e que gostariam de poder brincar mais. Já quando se fala da infância dos pais, estes ficam divididos. Alguns afirmam que o tempo que tinham para brincar era suficiente e outros revelam que o tempo era reduzido para que pudessem desenvolver essa atividade. Eles também precisavam dividir seu tempo entre o brincar e outras atividades, como escola, atividades de casa e cuidar de irmãos enquanto seus pais trabalhavam.
Percebe-se que o tempo livre das crianças precisa ser dividido entre o brincar e os outros afazeres, os quais não deixam de ser importantes na vida de qualquer indivíduo e que, embora isso aconteça, a grande maioria dos sujeitos pesquisados consegue adequar o tempo entre essas atividades.
Quanto à companhia ao brincar, entre as meninas é mais comum que os pais participem de suas brincadeiras e que brinquem sozinhas, em relação aos meninos. Porém, ambos os sexos têm preferências por brincadeiras que envolvam a participação de uma companhia, geralmente de seus pares, colegas e amigos. Também é comum a brincadeira com irmãos e primos. Na infância dos pais das crianças, poucos fazem referência à presença de seus pais envolvidos ou participando das brincadeiras por eles praticadas, diferentemente do que se observa nas crianças de hoje. Eles geralmente brincavam em grupos com os irmãos, vizinhos e primos, entre outros, pois as famílias eram mais numerosas, o que facilitaria o brincar em grupo. Nota-se que em ambos os grupos a brincadeira com seus pares ou na companhia de alguém é amplamente valorizado.
Os benefícios possibilitados pelo brincar são inúmeros, sendo que todos os pais afirmam que o mesmo é muito importante para o desenvolvimento da criança. Torna-se um instrumento essencial para a aprendizagem e para a interação em grupos, proporcionando felicidade, alegria, calma e paciência. Através dele é possível extravasar energia, melhorar coordenação e um meio de obter uma vida saudável.
Para tanto, constata-se que existem semelhanças e diferenças marcantes entre as duas gerações, sendo o brincar universal mas também específico de cada grupo e de cada geração, e varia no tempo. O que não varia é o papel por ele exercido, pois ele é o facilitador do desenvolvimento integral das crianças. Brincar é uma necessidade do ser humano, e através dele a criança tem oportunidade de organizar e explorar seu mundo, experimentar-se em diversas situações através do faz-de-conta, do simbólico e da convivência em sociedade, adaptando-se e incorporando-se a vida real. É no brincar que a criança se sente impulsionada a criar, a fantasiar, a imaginar. É a linguagem utilizada pela criança através do qual vai se construindo como um ser ativo, que busca e constrói seu próprio tempo e espaço em uma sociedade que está em constante transformação.



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